Faz
três meses que o pedreiro Maurício Paes de Souza tenta pagar a última prestação
do Uno 2007, comprado há quatro anos. A parcela é de R$ 630, mas, sem emprego
desde janeiro, com a mulher também desempregada e dois filhos para sustentar,
ele corre o risco de perder o automóvel – assim como já perdeu tantas outras
pequenas conquistas de consumo dos últimos anos. Aos poucos, Souza se dá conta
de que não pertence mais à mesma classe social da qual chegou a fazer parte,
como outros milhares de brasileiros. Só no último ano, quase um milhão de
famílias desceram um degrau na escala social.
Foi a
primeira vez que houve um movimento inverso ao da ascensão socioeconômica que
vinha ocorrendo desde 2008. O estudo, da Associação Brasileira das Empresas de
Pesquisa (Abep), mostra que, de 2015 para 2016, a classe que abrange famílias
com renda média de R$ 4,9 mil (chamada de B2) perdeu 533,9 mil domicílios. A
categoria dos que ganham R$ 2,7 mil (Ci) encolheu em 456,6 mil famílias.
Um
resultado que chamou a atenção é que a classe A, a mais rica e que conta com
reservas financeiras e de patrimônio para se defender da alta da inflação e do
desemprego, cresceu em 109,5 mil famílias no período. Com isso, ao todo, 1,023
milhão de domicílios, ou cerca de 4 milhões de pessoas, se movimentaram de alguma
forma na escala social por causa da crise – a maioria, porém, perdendo o status
anterior.
O que
impressiona nessa crise, segundo Pilli, é a rapidez com que as famílias estão
abrindo mão de itens como o segundo carro ou uma casa maior. “São decisões que
geralmente demoram algum tempo para serem tomadas.”
Nesta
atualização da distribuição das famílias por classe, feita pela Abep, foram
usados dados dos principais institutos de pesquisas que visitaram as casas dos
brasileiros em 2015 e no início deste ano para descobrir como andava o padrão
de vida da população. A associação utiliza o Critério Brasil, que tenta estimar
a renda permanente das pessoas por meio da posse de bens e de outros quesitos.
O
coordenador do centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho,
acredita que as famílias estejam se desfazendo dos ativos e por isso desceram
degraus na pirâmide social. “Isso era esperado, porque a crise é muito forte”,
diz. Ele ressalta, porém, que não há números oficiais do IBGE para avaliar esse
movimento.
Adriano
Pitoli, sócio da Tendências Consultoria Integrada, traça um cenário pior do que
o da Abep. Ele estuda as mudanças na pirâmide social olhando apenas a renda
monetária recebida pelos trabalhadores – e não a permanente, como fazem os
institutos de pesquisa. Em estudo feito no final do ano passado, o economista
da Tendências apontava, com base em projeções, que 3 milhões de famílias
desceriam um degrau na escala social em três anos, entre 2015 e 2017.
De lá
para cá, com o agravamento da crise, Pitoli refez as contas e projetou que 4,2
milhões de famílias seriam devolvidas à base da pirâmide. Só no último ano,
abaixa teria sido de 1,8 milhão de famílias.
Pitoli
explica que os critérios do seu estudo e o da Abep são diferentes. Ele olha
renda monetária, que tem um impacto mais imediato no padrão de vida das
famílias. Já a Abep usa a renda permanente,medida pela posse de bens, que
teoricamente, demora mais para aparecer.
“Mas
o estrago está feito”, diz Pitoli. Segundo Pilli, da Abep, o País não voltou 20
anos atrás. “Mas, se continuarmos fazendo escolhas erradas, podemos retroceder.”
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