sábado, 21 de março de 2009

O depoimento de Serra

MOACIR PEREIRA

O governador José Serra roubou a cena política durante ato na Assembleia Legislativa em homenagem ao ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright. Ali estavam o secretário nacional dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o governdor Luiz Henrique, senadores, deputados federais e estaduais, secretários e familiares dos presos políticos desaparecidos. Petistas e tucanos dividiram os espaços na plateia.Com uma fala coloquial, memória privilegiada, José Serra contou ter conhecido Paulo Wright em Florianópolis. Presidia a União Nacional dos Estudantes quando, em 1964, o presidente da União Catarinense dos Estudantes, Rogério Queiroz, realizou uma reunião do Conselho de Representantes, com lideranças estudantis de todo o Brasil.Paulo Wright foi um dos oradores. Não tinha retórica brilhante, mas era convincente no conteúdo e na densidade do ideário. Pastor presbiteriano, tinha sido eleito deputado pelo PSP, vindo de Herval d’Oeste. Ali, instalara uma escola e incentivara a criação de entidades de defesa dos trabalhadores. Atuou na organização dos pescadores, tendo estimulado a formação de cooperativas em todo o litoral.Foi em Florianópolis, naquela visita, que José Serra convidou Paulo Wright para ir ao Rio de Janeiro, sede da UNE. Lá apresentou Betinho, presidente da Ação Popular, formulando convite para a adesão do parlamentar catarinense ao movimento de conscientização popular. – A cassação de Paulo Wright foi a mais vergonhosa da história do Brasil – sentenciou o governador tucano, ao falar da cassação pela Assembleia Legislativa, sob alegação de “falta de decoro parlamentar”.Serra fez, depois, um relato cronológico sobre as atividades da Ação Popular, a cisão do movimento, e os contatos frequentes com Paulo Wright. Lembrou que o seu maior desespero, durante o período em que atuou na clandestinidade, era a falta de contato com a família, a impossibilidade de avistar-se com a mulher e os filhos.

O conflito

Quando houve endurecimento do regime, a partir da edição do AI-5, em 1968, a reação dos movimentos políticos e sociais também foi maior, aí incluindo a luta armada. A repressão também radicalizou, iniciando, no Brasil, a tortura sistemática. Procurado, Serra mudou-se para o Chile. Ali, com outros líderes políticos, montou uma organização para denunciar os casos de tortura.Antes do golpe conduzido pelo general Pinochet, José Serra enviou uma carta a Paulo Wright, implorando para que saísse do Brasil. Seu estilo de vida, seu temperamento comunicativo e a ação missionária eram incompatíveis com as exigências da clandestinidade. Veio setembro de 1973, a prisão do ex-deputado e seu desaparecimento. Até hoje ninguém sabe como foi morto e onde foi enterrado, direitos invocados pelos familiares e entidades que reúnem os presos políticos.No discurso, José Serra não fez um único comentário sobre a política atual ou sobre a sucessão presidencial. O testemunho limitou-se à atuação política durante a ditadura, às relações com o deputado homenageado e seus compromissos com o aprimoramento da democracia.A professora Derley Catarina de Lucca falou de suas relações com Paulo Wright na Ação Popular. E fez uma revelação: quando se exilou no Chile, o aluguel do apartamento em que residia era pago por José Serra, outro perseguido político que se asilou em Santiago.

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