Documentos revelam que guerrilheiros dados como “desaparecidos” no Araguaia foram capturados vivos
Um processo administrativo de rotina, aberto por um militar interessado em ganhar uma medalha, derruba a versão de que o Exército não tem em seus arquivos documentos secretos sobre as operações contra a guerrilha do Araguaia.
Uma série de telegramas e ofícios comprovam também a prisão, o interrogatório e a tortura de militantes do PC do B que foram capturados vivos e, depois, dados como “desaparecidos”.
Desde 1982, quando parentes de guerrilheiros, sobreviventes do movimento armado e pesquisadores pediram na Justiça Federal a entrega dos arquivos para ajudar na localização dos corpos dos “desaparecidos”, o Comando do Exército ou diz que os documentos não existem ou que foram queimados ao final das operações anti-guerrilha, em 1975.
Em dezembro de 2004, o então comandante da Força, general Francisco Roberto de Albuquerque, disse que em suas unidades não havia documentos referentes à guerrilha do PC do B que atuou na divisa dos Estados de Tocantins (na época, Goiás), Pará e Maranhão de 1972 a 1975 e que resultou na morte de 59 guerrilheiros, quatro civis e 16 militares.
Parte dos documentos, carimbados com a palavra “secreto”, com as informações que o Exército diz não possuir, foi entregue, em casa, em 1990, ao tenente da reserva José Vargas Jiménez. Ele é o autor do pedido - que resultou em um processo administrativo - para ser agraciado com a medalha do Pacificador, comenda do Exército que lhe foi concedida por ter participado do combate à guerrilha quando era sargento e usava o codinome “Chico Dólar”.
Em vez de manter o sigilo sobre o material recebido, Jiménez publicou um pequeno livro em outubro de 2007, em Campo Grande (MS), cidade onde mora. Isso levou o Exército a abrir uma sindicância para apurar o vazamento de documentos sigilosos.
A sindicância foi arquivada em janeiro deste ano - sem negar a autenticidade dos documentos -, mas os fac-símiles começaram a circular abertamente neste mês por meio do blog de um outro militar da reserva.
EXECUÇÕES
Até hoje, o Exército admitiu, no máximo, que os militares que combateram a guerrilha podem ter agido “fora dos ditames legais do Estado de direito”, como disse o general Albuquerque há três anos.
Ele reagia à decisão de julho de 2003, da Justiça Federal, que mandou quebrar os sigilos dos arquivos do Exército - por causa dos recursos da própria União, o assunto tramita até hoje na Justiça sem decisão final.
Os documentos oficiais em poder do tenente Jiménez dão provas de que muitos dos mais de 20 guerrilheiros que resistiram até o começo de 1974 não foram mortos em combate.
Algemados, eles chegaram com vida às bases de Marabá, Bacaba e Xambioá.
A lista dos guerrilheiros que prestaram depoimento nas bases inclui, entre outros, Antônio de Pádua Costa, o Piauí, Dinalva Teixeira, a Dina, Áurea Valadão, a Áurea, e os irmãos Elmo Corrêa, o Lourival, e Maria Célia Corrêa, a Rosinha.
CASO DINA
O caso da geóloga baiana Dinalva Teixeira, a Dina, a mais famosa comunista do movimento armado da Amazônia, é um dos mais emblemáticos.
No ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos publicou o livro Direito à Memória e à Verdade, reunindo todas as versões sobre a morte de Dina e de outros guerrilheiros.
No caso dela, o livro só inclui relatos extra-oficiais, nunca com a chancela de um documento oficial.
O capitão Aurélio da Silva Bolze, encarregado de reunir os documentos para dar a medalha do Pacificador a Jiménez, recebeu o seguinte telegrama, datado de 12 de junho de 1990, dos sargentos José Albérico da Silva e Paulo Eduardo Cunha e do cabo Marcelino de Oliveira, que estiveram no Araguaia: “O sgt Vargas integrou equipe de busca e apreensão e equipe de resgate. Foi também emboscado pela equipe da ‘Dina’, que, posteriormente presa e interrogada, declarou ter desistido da emboscada.
”Os documentos do capitão Bolze informam, ainda, que o guerrilheiro Piauí, que segundo livros teria sido entregue por camponeses ao Exército, travou uma luta corporal com militares antes de ser preso.“O sgt Vargas participou do confronto armado que resultou na prisão dos guerrilheiros ‘Piauí’ e ‘Zezinho’.
A prisão decorreu após luta corporal entre sgt Vargas e um dos guerrilheiros. Os guerrilheiros portavam armas de fogo e armas brancas.” Zezinho, citado no documento, era um morador da região recrutado pelos guerrilheiros do PC do B.
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