sábado, 31 de agosto de 2013

Quando o embate governo x oposição deve dar passagem ao humanismo

O lançamento recente do programa "Mais médicos" por parte do governo federal foi anunciado como uma tentativa de aumentar o número de profissionais da saúde atendendo nas mais remotas regiões do país. Por louvável que seja a iniciativa, as críticas apresentadas pela oposição são absolutamente legítimas e compreensíveis em razão da recorrentemente evidenciada incapacidade do governo em gerir os recursos públicos com critério e decência.

Um fator decorrente deste processo, no entanto, vem ultrapassando nos últimos dias a etapa meramente política do embate entre as forças que apoiam e se opõem ao governo federal. A chegada de médicos cubanos para trabalhar no Brasil trouxe a tona uma onda de xenofobia que em diversos momentos vem beirando as lamentavelmente resistentes agruras do fascismo.

Em Minas Gerais, o Conselho Regional de Medicina agiu rápido para barrar a presença de médicos cubanos atuando no estado. No Ceará, um grupo de médicos foi ao Aeroporto de Fortaleza receber com vaias e ofensas morais seus colegas de profissão que acabavam de sair de seu país de origem para trabalhar no nosso.

E as demonstrações de preconceito não se restringiram apenas aos médicos. Seja nas ruas, seja nas redes sociais, não tem se tornado raro assistir à depoimentos recheados de xenofobia que questionam inclusive a fisionomia dos cubanos perguntando se tratam-se de "médicos de verdade".

Infelizmente, para muitos de nós, brasileiros, chega a ser agressivo o fato de que pessoas com a cor da pele escura, oriundas de classes humildes, se formem em medicina. O que mais chama atenção é notar que não apenas por serem estrangeiros, mas principalmente por serem de Cuba, há ainda mais fervor nas tristes manifestações de discriminação.

Quando visitei Cuba pela primeira vez, em 2006, conheci estudantes brasileiros de medicina que me disseram que quando encerrassem o curso iriam escolher entre Portugal, Espanha e Austrália para trabalhar, já que o governo brasileiro não reconhecia os diplomas da Escola Latino-americana de medicina, com sede em Havana.

Portugal, Espanha e Austrália são apenas três entre as dezenas de países em que há milhares de médicos cubanos atuando, resultado de convênios bilaterais firmados por estas nações junto ao governo de Cuba.

As lamentáveis reações de conservadorismo exacerbado por partes de alguns brasileiros poderiam remeter ao fato de que nossas unidades básicas de saúde e hospitais já estão abarrotadas de médicos, enfermeiros e agentes comunitários, e que por isso não existem problemas como filas para o atendimento e superlotação.

Estes "indignados" com a vinda dos cubanos claramente desconhecem a realidade absolutamente oposta. Ignoram que todos os dias se formam longas filas de trabalhadores, crianças e mulheres esperando horas, dias, meses para serem atendidos no SUS.

Muito mais do que outro enfadonho cenário de conflito entre governistas e oposicionistas, apresenta-se para nós como uma tarefa de humanismo e internacionalismo dar as boas vindas aos médicos cubanos e nos desculpar pela postura vergonhosa assumida por pessoas que evidentemente jamais recorrerão ao sistema público de saúde.

Médicos, professores, jornalistas. Cubanos, senegaleses, dinamarqueses. Quem vê diferença entre eles vive no lugar errado, no milênio errado, olha para o mundo do jeito errado.

*Secretário de Comunicação do PPS-MG e EX membro da JPS

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