quinta-feira, 27 de agosto de 2009

REGULAÇÃO DE SERVIÇOS

São Paulo - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está reordenando as relações entre o Estado e a iniciativa privada. Nos anos 90, seu antecessor Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reforma do Estado que incluiu a privatização de serviços públicos, que passaram a ser regulados por agências independentes. Lula foi contra a privatização, que chamou de “herança maldita”, e conduz agora o equivalente a uma contrarreforma. O governo não pode recomprar as empresas, que multiplicaram os investimentos em infraestrutura. Mas pode retirar das agências e devolver aos ministérios o controle das concessões. É o que faz projeto de lei patrocinado pelo governo, cujo relator é o deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Agências são órgãos de Estado, não de governo. Seus diretores têm mandatos que não coincidem com os dos governantes eleitos. São indicados pelo presidente mas têm de ser ratificados pelo Senado, mediante sabatina. Devem ter notório conhecimento técnico da área e “reputação ilibada”. Embora vinculadas aos ministérios do respectivo setor, as agências devem ser independentes.
Em países democráticos, o sistema regulatório é, ao lado da Justiça, o ponto nevrálgico dos direitos dos cidadãos. Serviços como água, energia, telecomunicações e transportes envolvem grandes conflitos de interesses entre os investidores, de um lado, e os consumidores, de outro, além do próprio governo. As empresas querem o retorno de seu investimento; os consumidores, bons serviços a preços módicos; os governos ora desejam tarifas baixas antes das eleições, ora agradar as empresas, que financiam campanhas eleitorais.
“O governo, as empresas e os consumidores formam um triângulo”, explica Wanderlino Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras. “A agência tem de ficar no centro geométrico para resolver conflitos e promover o equilíbrio.” As decisões das agências sobre concessões e tarifas são muito complexas e precisam ser tomadas por técnicos. Para evitar que eles sejam “capturados” pelos interesses em jogo, é preciso que suas reuniões sejam públicas e suas decisões explicadas aos consumidores.
Antes da privatização e da criação das agências reguladoras, os governos faziam política com as tarifas, mantendo-as artificialmente baixas para conter a inflação. O resultado foi a falta de investimentos. Telefones, até os anos 90, eram patrimônio vendido a preços altos, por causa de sua escassez.
Governos são eleitos para cuidar de políticas públicas, não de regulação. Eles podem determinar as prioridades das concessões, por exemplo: energia limpa e renovável, como hidrelétricas, em vez de térmicas a carvão; o menor preço do pedágio em vez do maior lance num leilão de concessão de rodovias. A partir daí, as agências devem definir os parâmetros das licitações.
O fato de as concessões estarem nas mãos dos ministérios, e não das agências, substitui critérios técnicos por políticos e centraliza no governo as relações do Estado com a iniciativa privada.
Para Renato Guerreiro, ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a outorga é função das agências, ao lado da regulação e da fiscalização. Cabe ao governo definir políticas, como a universalização do acesso à telefonia fixa. O governo Lula discorda dessa divisão. O poder de outorga está diretamente vinculado às políticas públicas, na visão de Luiz Alberto dos Santos, subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil. “Não existe critério exclusivamente técnico em lugar nenhum”, acrescenta ele. “Mesmo as agências reguladoras são sujeitas a critérios políticos, a pressões.” Santos acha ainda que o poder de outorga está subordinado a “influências conjunturais”. Assim, ao retirá-lo das agências, o governo as está “protegendo” dessas influências.
Em 2004, o governo Lula retirou o poder de outorga das agências de energia elétrica (Aneel) e de petróleo (ANP). O diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, afirma que a mudança foi boa. “Era uma situação ruim para a Aneel, porque ela assinava como poder concedente e depois era responsável por gerir o contrato”, diz Hubner, indicado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. “A relação ficava distorcida. O poder concedente é o governo, representado pelo Ministério de Minas e Energia.”
Fonte: Ag. Estado

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