Quase sempre a permanência de um problema está no entendimento equivocado de suas causas. A pobreza e a concentração da renda continuam, apesar do crescimento econômico, porque é um erro entendê-las como problemas da economia, que seriam superadas pelo aumento da produção e do rendimento.
Ao longo do século 20, o Brasil foi um dos países que mais se desenvolveram, mas a renda se manteve concentrada e o país continua campeão em desigualdade social. Erramos no enfrentamento da questão, ao esperarmos que esse problema seria resolvido pelos economistas e empresários.
Essa não seria uma realidade hoje se antes ela tivesse sida enfrentada pelos educadores e políticos, usando a escola, não as fábricas, como vetor da distribuição de renda. Ela não decorre de seu aumento, mas da distribuição da educação entre todos; para que todos tenham acesso aos empregos e às atividades que propiciam a renda.
Sem distribuição de educação, não há distribuição de renda, porque sem educação o trabalho livre é uma ilusão, mantendo-se, portanto, a estrutura distributiva característica de sistemas servis. Por mais que o crescimento econômico levasse ao aumento da renda social, ela não seria distribuída para os escravos. O trabalhador pobre, mesmo livre da escravidão, continua incapaz de se inserir no mercado de trabalho porque, para isso, ele depende da educação a que não teve acesso.
Entretanto, se a educação fosse bem distribuída, como em Cuba, Coreia do Norte, Alemanha Oriental, o problema da concentração se resolveria, mas todos ficariam condenados à pobreza. A frase “é preciso fazer o bolo antes de distribuí-lo” não funciona no Brasil; assim como também não funciona a frase “a distribuição antecipada faz o bolo”.
Erramos ao acreditarmos que a economia colocaria um fim à pobreza social. Ao longo do século 20, conseguimos crescer ao ponto de nos tornarmos o sexto maior PIB do mundo, mas continuamos pobres, na 98ª posição mundial em renda per capita, porque nossa produtividade está em 78º lugar no ranking.
A renda social cresceu com a população, não com a capacidade de cada brasileiro de produzir. Enfrentamos o fim da pobreza pela economia e não pela formação de mão de obra qualificada. Com isso, a pobreza se manteve. Ao lado da baixa produtividade, não crescemos mais por causa da enorme preferência nacional pelo consumo imediato e pela baixa propensão nacional à poupança, o que impede investimentos que dinamizariam a produção.
Nós, economistas, fracassamos por não levarmos em conta que o problema não decorre da economia, mas da mentalidade nacional, da consciência, da educação que forma o individualismo, o consumismo, o corporativismo.
A pobreza, a concentração de renda, as visões imediatistas, consumistas e individualistas, sem um sentimento coletivo de nação, levariam quase que fatalmente ao maior de nossos problemas: a brutal violência que caracteriza a sociedade atual. Mais uma vez, por erro de foco, enfrentamos a violência como uma questão de polícia, não de escola.
Décadas atrás, nossos educacionistas, especialmente Darcy Ribeiro, alertaram para o fato de que o problema da violência não seria enfrentado corretamente enquanto fosse tratado apenas como uma questão de polícia. A violência, assim como a pobreza e a concentração de renda, é uma questão de impunidade, mas é, sobretudo, a educação que reduz a desigualdade e forma uma sociedade civilizada e pacífica.
A corrupção está, finalmente, sendo enfrentada por juízes, policiais, promotores e procuradores, mas não será vencida enquanto não for enfrentada pelos eleitores. O juiz consegue prender político corrupto, mas não elege político honesto. Isso só vai acontecer quando o eleitor for educado: primeiro, para não precisar sobreviver das promessas dos candidatos e dos favores de eleitos; segundo, para discernir as diferenças entre os candidatos.
A educação de um indivíduo não o faz mais honesto, mas a educação de todos os indivíduos faz um povo mais preparado para eleger pessoas decentes e sem demagogias, e com melhores e mais sérias promessas para o futuro. Há décadas tentamos garantir competitividade sem produtividade, usando subsídios, isenções fiscais e protecionismos. Na economia moderna, a competitividade só vem da produtividade e da inovação, que dependem da ciência e da tecnologia. Essas, por sua vez, dependem diretamente da educação de base. (Correio Braziliense – 02/01/2018)
Cristovam Buarque, senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)